sexta-feira, 2 de março de 2007
O saber e o sublime
"O samba é meu dom/aprendi muito samba com quem sempre fez samba bom", quando Wilson das Neves e Paulo Cesar Pinheiro estipularam suas vocações para o samba e suas fontes de aprendizado em o "O samba é meu dom" e dão seu parecer sobre a história do samba e dos sambistas ao longo da letra, nos remete a um tempo que o samba se levava para a escola. "Eu usava sambas-enredo para colar na escola", a colocação é de Beth Carvalho e tem fundamento,principalmente se a gente relembrar os sambas de antigamente como o do Império Serrano em 1949, composto por Penteado, Stanislaw Silva e o lendário Mano Décio da Viola: "Joaquim José da Silva Xavier/Morreu a 21 de abril/Pela independência do Brasil/Foi traído e não traiu jamais/A inconfidência de Minas Gerais", estrofe que pode responder pergunta sobre Tiradentes em qualquer prova de escola.
Quase vinte anos depois, em 1968, a Unidos de Lucas -que tem entre seus fundadores o fundamental Elton Medeiros- sob o comando do carnavalesco Clóvis Bornay apresentava o enredo O negro no Brasil ou Sublime Pergaminho, que ano que vem será reeditado pela escola na tentativa de busca do título do grupo B. Se em 2007 três escolas do grupo especial -Porto da Pedra, Salgueiro e Beija-flor(campeã)- tiveram a África como tema, nenhuma das três tiveram um samba-enredo tão genial e completo como o composto por Zeca Melodia, Nilton Russo e Carlinhos Madrugada para a escola de Lucas. O samba Sublime Pergaminho estravazou as fronteiras da Candelária (então passarela do samba) e entrou para a história como um dos mais belos da história. Prova disso, é que mais tarde foi gravado por duas das mais importantes figuras da música brasileira, Martinho da Vila e Nara Leão.
Com pouco mais de trinta estrofes a letra fala de todo o processo de escravidão no Brasil, desde a chegada dos escravos até a abolição. Um resumo genial do que foi o período da escravatura brasileira. Uma pequenina aula de história. Pra quem sabe pouco ou nada, o samba funciona como trampolim impulsionando um desejo de mergulho mais fundo no estudo desse período da história brasileira.
"Quando o navio negreiro/transportava os negros africanos/Para o rincão brasileiro/Iludidos com quinquilharias/Os negros não sabiam/Ser apenas sedução", o samba começa assim, falando do método ímpio dos traficantes no transporte dos negros para o Brasil. Alguns versos depois, cita o começo da organização dos negros em busca da liberdade: "Formavam irmandades/Em grande união/Daí nasceram os festejos/Que alimentavam os desejos de libertação". Identifica-se o começo dos movimentos de luta, como a formação dos quilombos por exemplo. "E de repente uma lei surgiu/Que os filhos dos escravos/Não seriam mais escravos do Brasil/Mais tarde raiou a liberdade/
Daqueles que completassem/Sessenta anos de idade", nesses versos dois momentos importantes no caminho da abolição. Primeiro cita a lei do ventre livre, onde os filhos de escravos nascidos a partir da criação da lei não seriam mais escravos e depois a lei sexagenária, que declarava livre o escravo que tinha mais de 65 anos.
"O sublime pergaminho/Libertação geral/A princesa chorou ao receber/A rosa de ouro papal/Uma chuva de flores cobriu o salão/E um negro jornalista/De joelhos beijou a sua mão". Menção ao documento manuscrito que determinava a abolição da escravatura e da princesa Isabel que assinou a Lei Áurea. O "negro jornalista" citado é José do Patrocínio uma das grandes referências do movimento abolicionista. E finaliza: "Uma voz na varanda do Paço ecoou/Meu Deus, meu Deus/está extinta a escravidão".
Não sei se é porque sou negro e gosto de samba, mas é difícil conter as lágrimas ouvindo a gravação original e lendo a letra ao mesmo tempo. Imaginando o martírio, a luta e por fim a conquista de um direito óbvio que por anos foi negado. A emoção também é muito em função do que se observa da situação do negro hoje, se a abolição chegou há dois séculos atrás,a maioria dos negros ainda vivem sob o ranço de senzala e quem tem o poder, ainda se impõe tal qual senhores de engenho, usando outros tipos de chicote.
Obra de ourives.
*Letra de "Sublime Pergaminho"
*Ficha técnica do desfile da Unidos de Lucas
*Sublime Pergaminho (original)
*Sublime Pergaminho Nara Leão
*Sublime Pergaminho Martinho da Vila
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6 comentários:
Adorei!!!!
Vou ouvir o samba assim que puder...
Queria escrever mais....mas estou no trabalho...tem q ser rapidin...rs*
beijinhus***
Que sintonia, moreno! Veja o que preparei lá no Around. Deu vontade de chorar, mané!
Superação e fidelidade,
resumindo esse texto seu,
nunca antes tinha visto de ti tanta verdade,
emoção, sabedoria e criatividade
em letras e sentimentos,
eu diria em busca do apogeu.
Simples e certeiro.
parabéns.
Nina
"O sublime pergaminho/Libertação geral/A princesa CHOROU ao receber/A ROSA de ouro papal/Uma chuva de flores cobriu o salão/E um NEGRO jornalista/De joelhos beijou a sua mão".
isso lembra versos de um Rimbaud que ainda nem sonhava em negociar escravos na África:
"A estrela CHOROU ROSA ao céu de tua orelha.
O infinito rolou branco, da nuca aos rins.
O mar perolou ruivo em tua teta vermelha.
E o homem sangrou NEGRO o altar dos teus quadris."
(traduçao de Augusto de Campos)
poderia fazer analogias, como entre estrela e princesa..
ou misturar:
um negro jornalista de joelhos no altar dos teus quadris.
mó viagem!
como não se assustar ao justapor estrofes que parecem respirar tanto entre si?
será uma baita duma coincidência?
êta ferro, Sô! não gosto nem de pensar..
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